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sábado, 27 de agosto de 2011

Amor Entrelinhas

Gregório chegou animado aquela manhã. Tinha conseguido uma resposta positiva de uma editora na noite anterior e finalmente publicaria seu livro. Há meses vinha persistindo nesse propósito, mas todas as tentativas até então haviam sido infrutíferas. Lembrava com emoção do momento em que abriu o e-mail e lá estava a resposta. Seu texto havia sido aceito e logo entraria na fila de impressão. O sonho se tornaria realidade.
Desceu do velho Santana problemático que o levava para o serviço todas as manhãs e contemplou a indústria em que trabalhava. Apesar de estar lá há mais de um ano nunca reparara como era grande. Ocupava um quarteirão inteiro do distrito industrial só com a linha de produção e outro para escritórios, salão de festas e estacionamento para os patrões. Os funcionários tinham que usar a rua ou pagar estacionamento do próprio bolso, por isso gostava de chegar mais cedo e garantir sua vaga na disputadíssima avenida central. Cumprimentou o vigia que guardava o portão e entrou. À direita da entrada ficava a ala feminina e a esquerda a masculina, nos fundos ficavam a cantina e os banheiros e um pouco mais atrás, no subsolo, os almoxarifados e despensas. Contornou a fábrica e desceu a rampa em direção ao depósito para apanhar suas ferramentas de trabalho. Estava louco para contar aos colegas sobre sua nova e brilhante carreira e contemplar suas caras de inveja ao saber que ele logo deixaria aquele lugar.
Voltou pelo corredor que dava acesso às áreas de serviço e se dirigiu para o setor masculino. Bem ao lado da porta de entrada, uma loira usando um top decotado, saia curta e óculos escuros, andava de um lado para o outro do corredor como que perdida. Aproximou-se desconfiado e sorriu timidamente ao perguntar.
– Desculpe, mas tudo bem com você? Parece meio perdida.
– Oi – disse a moça retribuindo o sorriso – Estou começando hoje e não consigo encontrar minha ala.
– A ala feminina é do outro lado – disse o rapaz apontando com o dedo para trás – pode voltar direto que você chega lá.
– Obrigada! – disse a moça sorrindo – Não estou acostumada com lugares amplos como esse. Sempre trabalhei em escritório.
– É. Você tem mesmo cara de secretária, se me permite dizer. A propósito, qual o seu nome?
– Andréa. E o seu?
– Greg. Prazer em conhecê-la.
Não gostava de seu nome de batismo e sempre culpou os pais por tê-lo nomeado assim. Então sempre que podia usava uma abreviatura para dar um ar mais galante à nomenclatura.
– O prazer é meu Greg. Legal seu nome, parece de ator americano.
– Pois é. Minha mãe é cinéfila assumida e deve ter tirado o nome de algum ator quarentão dos anos setenta.
A moça sorriu e embalaram uma conversa tão animada que teriam perdido a noção do tempo não fosse um colega de trabalho se aproximar, dar um tapinha as costas do rapaz e soltar a bomba.
– E aí Gregório. Treinando pra mímico? – E seguiu com um sorriso sarcástico no rosto.
– Por que ele te chamou de Gregório – Perguntou a moça quando o amigo se afastou.
O rapaz ficou branco e logo depois vermelho como um pimentão. Sabia que o colega tinha feito de propósito por saber que ele não gostava do nome e depois, teria que dar uma dura no amigo bonitão e sem cérebro, mas agora precisava contornar a situação.
– Só para me sacanear. O Haroldo é um brincalhão incorrigível – respondeu com um sorriso amarelo.
A moça pareceu ter engolido a história e logo voltaram ao ritmo da conversa, mas o sinal tocou e ambos tiveram que se despedir.
– Te vejo amanhã então? – Perguntou Andréa com ar de satisfação.
– Claro! Mesmo hora, mesmo local – a moça sorriu e mandou um beijinho que ele retribuiu meio sem graça e seguiram, cada um para sua seção.
Gregório adentrou rapidamente o pátio de serviço e logo na primeira fila encontrou seu colega do corredor. Respirou fundo e se aproximou ousadamente perguntando.
– Que brincadeira foi aquela Haroldo? Me chamar de Gregório na frente de moça e ainda tirar uma com a minha cara. Eu exijo respeito!
Todos os demais funcionários se viraram para ver a cena curiosa. Haroldo devia ter mais de 1,90 de altura e corpo de atleta enquanto Gregório era baixinho, gordo, usava óculos de fundo de garrafa e era careca.
Apesar do tumulto gerado pela discussão o rapaz não se intimidou, encarava o colega ostensivamente esperado uma resposta.
– Que garota Gregório. Você está ficando louco? – respondeu o amigo espantado – Você falava sozinho e fazia gestos como se estivesse participando de uma pantomima.
– Ora não me venha com essa. Você percebeu que eu estava me dando bem com a gatinha e resolveu bancar o espertalhão. Pois saiba que não deu certo viu, nós vamos nos encontrar novamente amanhã e pode ir tirando o seu cavalinho da chuva porque a Andréa valoriza o cérebro em um homem, coisa que você não tem.
Virou as costas e saiu. O colega ficou coçando a cabeça sem entender a situação enquanto o resto do pessoal se esbaldava de rir.
O restante do dia percorreu normal. Vez ou outra interrompia o serviço para contar aos amigos mais próximos sobre o sucesso do romance que escrevera e de como ele logo seria um escritor famoso, conhecido no mundo inteiro, porém não tirou a loira da cabeça o tempo inteiro. No final do dia procurou entre as mulheres para ver se a encontrava, mas não obteve sucesso. Pegou o carro estacionado em frente à fábrica e partiu. O trânsito estava terrível e esse era um dos motivos que o levaram a buscar um emprego alternativo, não agüentava mais o stress das grandes cidades e São Paulo era a pior delas nesse quesito. Mais de uma vez tivera que tirar licença do trabalho para se tratar, e os remédios tarja preta que tomava debilitavam o seu emocional.
Saiu da avenida principal e entrou na periferia. No caminho parou numa locadora para pegar uns filmes e comprar refrigerantes e salgadinhos. Como morava sozinho não tinha ninguém que cozinhasse para ele e vivia a comer bobagens, por outro lado o isolamento tinha suas vantagens, sempre que queria, podia pegar uns filmes de loiras e praticar um sexo solitário sem interrupções.
Voltou para o carro e arrancou. Na metade do trajeto ligou o som e abriu um pacote de salgadinho, colocou um cd de música brega e seguiu comendo e dançando no volante até chegar à sua residência.
Entrou em casa empolgado. Finalmente os deuses haviam sorrido para ele. Publicaria seu livro e de lambuja ainda conhecera uma mulher fantástica. Não conseguia parar de pensar nela e tinha certeza que já a conhecera antes, sentia uma forte ligação os prendendo e seu coração batia forte sempre que relembrava os poucos momentos que passaram juntos.
Dirigiu-se ao quarto e ligou o PC. Verificou a caixa de mensagem, mas não havia nada de novo, então abriu seu livro para contemplar sua obra-prima. Desde pequeno gostava de escrever e sempre tivera boas idéias. Agora bastava esperar pela revisão da editora e logo poderia ver seu sonho realizado. Passou as páginas sem ler até esbarrar numa descrição de sua personagem favorita. Era uma moça loira, de óculos escuros e roupa curta, muito extrovertida, e que passava a saga toda dando em cima do protagonista.
Passou as mãos na careca e respirou fundo. Estaria ficando louco. As palavras de Haroldo martelavam em sua cabeça – “Você falava sozinho e fazia gestos como se estivesse participando de uma pantomima” – como seria possível. Tomou o remédio e foi dormir, na manhã seguinte tiraria essa história a limpo.
Acordou de madrugada e passou o resto da noite pensando na situação. Quando o relógio marcou 04h00min da manhã, se levantou, tomou um banho e se aprontou para o trabalho. Tirou o carro e saiu. Quase todas as vagas estavam desocupadas então não foi difícil estacionar. Entrou sem cumprimentar o porteiro e foi direto para o corredor de acesso. A moça já estava lá, andando de um lado para o outro e saltou de alegria ao vê-lo se aproximar.
– Estava esperando por você. Não consegui dormir depois do nosso encontro, então assim que pude, vim direto para cá. Precisava vê-lo de novo. – E se jogou calorosamente em seus braços, como uma amante que encontra seu amado depois de décadas de espera e angustia. Os lábios se encontraram e o rapaz em êxtase, pode sentir a doçura dos beijos da donzela, seu cheiro adocicado e seus cabelos macios e sedosos.
Permaneceram abraçados por um tempo, então a moça se afastou, olhou bem fundo nos olhos do rapaz e quebrou o silêncio ao perguntar.
– Você quer fazer amor comigo? – A voz saiu quase como um gemido e um calafrio percorreu a espinha do rapaz de alto a baixo. Nenhuma outra coisa passava por sua cabeça na hora, mas ao mesmo tempo em que queria muito, tinha medo de ser indelicado e decepcionar a jovem. Nunca tinha namorado uma garota de verdade e só havia feito sexo com prostitutas, então não tinha muita experiência numa relação de afeto.
– Quer? – Insistia a garota com voz provocante.
– Aqui? – Perguntou o rapaz tremendo.
– No banheiro. Vamos enquanto ainda não chegou ninguém.
 A moça pegou no braço do rapaz e se dirigiram ao toalete feminino. Meia hora depois os funcionários da Fábrica de Caixas Central viram um rapaz suado sair saltitando do banheiro, seu uniforme estava desabotoado e seu rosto marcado por um sorriso bobo, um dos braços estava erguido como se envolvesse alguém ou alguma coisa e no outro carregava à sacola de marmita e na mão a chave do carro.
Saiu em direção à saída do recinto e não falou com ninguém. Seus amigos estranharam sua ausência e ligaram atrás, mas seu celular estava sempre desligado. Nunca mais o jovem Gregório foi visto nas redondezas e a única recordação que restou foi um livro jamais publicado, cujo título estampado em vermelho na capa dizia: Amor Entrelinhas.

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